sábado, 6 de fevereiro de 2010

A ORIGINALIDADE DA OBRA DE ARTE



AS INFLUÊNCIAS DE JAMES CAMERON


A viúva do músico Richard Wagner, Cosima, declarou, alguns dias depois da morte de Nietzsche, que, apesar de ter lido pouco a obra do filósofo alemão, acreditava ser possível traçar de qual autor ele havia retirado cada sentença que escrevera em seus livros. A alegada falta de originalidade conferida a Nietzsche por diversos críticos e antagonistas provavelmente não seria algo que pudesse vir a surpreender ele próprio. Em um fragmento póstumo, ele chegou a declarar que a expectativa de rastrear as fontes de um autor sofre um grande abalo quando se descobre que as mesmas estão muito aquém da obra para a qual serviram de argamassa. Ademais, dada a mediocridade desse tipo de fonte, o autor utiliza-as da forma que lhe convém, com a maior liberdade possível, servindo-se das mesmas para solucionar os problemas que são específicos de seu próprio pensamento, conferindo-lhes um novo conteúdo, um novo sentido, que até então não possuíam. De fato, há sentenças utilizadas por Nietzsche que foram retiradas ipsis litteris de outros autores, e muitas vezes não só de autores medíocres, mas também de grandes autores, os mesmos que, em outras ocasiões, ele critica da maneira mais mordaz. Todavia, tais sentenças possuem, no interior de suas obras, um significado extremamente original, e específico de seu próprio pensamento. Assim, longe de se mostrar um dos maiores plagiadores de todos os tempos, Nietzsche era na verdade um grande degustador de todo um “caldo cultural” (Montinari) com que ele se nutriu, assimilando, metabolizando e transformando de maneira radicalmente nova toda a matéria prima da qual se serviu, num registro extremamente pessoal, dando origem a uma experiência de pensamento totalmente inédita e sem antecedentes. 


Antes mesmo de estrear nos cinemas, o fenômeno Avatar de James Cameron sofreu pelo menos duas acusações de plágio. Uma delas dos produtores do maior fracasso de bilheteria de 2008, a animação Delgo, cujos personagens lembram os Na’vi de Avatar e cuja história se passava num mundo em que a flora e a fauna eram bastante similares às do planeta Pandora do filme de Cameron; além disso, trechos de cenas exibidas no primeiro trailer de Avatar, eram bastante parecidas com algumas da animação. Cameron já havia perdido um processo de plágio por conta do roteiro de O exterminador do futuro, que teve como uma de suas inspirações uma obra de ficção científica de ínfima relevância da qual foi considerado uma cópia. Mas no caso de Avatar a coisa é mais grave, porque, assim como o fez Nietzsche, Cameron foi buscar inspirações não só em obras quase insignificantes, mas também em obras consagradas. Ora, não é tão difícil, para a grande maioria dos espectadores, identificar a saga de Jack Sullivan com, por exemplo, a narrativa de Pocahontas e de Dança com lobos, com as batalhas e discursos do Senhor dos anéis, além do recurso à uma natura ex machina que também foi um elemento decisivo na jornada de Frodo até Mordor. Mas pode-se mesmo falar de plágio aqui? Como qualificar um plágio? 

Creio que se um autor não faz nada além de reproduzir o espírito, o sentido e a forma já imbuídos nas fontes por ele utilizadas, não empregando nada que lhe pertença propriamente, nada de suas experiências privadas, para criar a partir delas uma obra pessoal, então, pode-se acusá-lo de plágio. Mas parece que Cameron conseguiu, como o faz um autêntico autor, digerir todas as obras de ficção científica que leu desde criança, todas as revistas em quadrinhos, artes fantásticas, mitologia e filmes com os quais se nutriu, e criou a partir disso e de toda sua experiência de vida, de todos os problemas que o assaltaram, de toda ânsia, desejos, convicções e crenças, uma obra com um sentido completamente novo, pessoal e particular, e é ao obter êxito nisso que um autor pode ser considerado de fato um criador. 

O importante não é, portanto, identificar as fontes empregadas pelo autor, mas como ele as utiliza em um novo contexto, em um novo registro, em uma nova experiência de pensamento e vida, criando uma obra completamente original, uma obra que funcione por si mesma, que tenha em si mesma um sentido, que seja bela por si, em sua completude e não em suas partes isoladas ou por conta da matéria prima com que ela foi produzida, uma obra que tenha um todo coerente e regular, em que nada destoe ou que seja relegado meramente à condição de uma peça sobressalente, tal é o caso, creio eu, de Avatar.

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