terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

STAR WARS E MITOLOGIA



A SAGA DO HERÓI

O termo “mito” é geralmente visto como sinônimo de história falsa, sem sentido, ou imaginária. Semelhante concepção teve sua origem com o advento do pensamento filosófico na Grécia do século VI a.C.: para se contrapor ao poder aristocrático, fundamentado na tradição mitológica, os primeiros filósofos gregos impuseram duras críticas ao aspecto antropomórfico dos deuses, com o intuito de promover uma sociedade democrática, baseada no pensamento lógico-racional. Essa visão foi ratificada pelo desenvolvimento da ciência moderna e cristalizada no século XIX pelo pensamento positivista de Augusto Comte. Não obstante, a partir mesmo do século XIX, pensadores como Nietzsche, Lévi-Strauss, Cassirer, Derrida, Mircea Eliade, Jung e Campbell passaram a questionar essa concepção, argumentando que a linguagem mítica possui um sentido específico, diferente, mas não inferior, ao lógico-racional. “A coerência do mito”, esclarece Ernest Cassirer, “provém muito mais de uma unidade de sentimentos do que de regras lógicas” (Ensaios sobre o homem,). Para o mitólogo americano Joseph Campbell, o pensamento mítico, longe de representar uma farsa fantástica, revela a estrutura psicológica universal da humanidade, isto é, os modelos arquetípicos da psique humana. Sendo assim, o mito narra acontecimentos que dizem respeito a todo homem e a toda mulher, porquanto indica quais as dificuldades e os desafios que os mesmos terão de enfrentar durante a vida, e como se pode enfrentá-los. Os mitos, diz Campbell, “são os sonhos do mundo. São sonhos arquetípicos, e lidam com os magnos problemas humanos” (O poder do mito). O mito do herói consiste na narração de uma aventura empreendida por uma personagem no reino do desconhecido. Semelhante reino, de acordo com Campbell, simboliza toda espécie de mudança que se deve enfrentar durante a vida, todo limiar que se deve atravessar: o nascimento; a passagem da infância para a adolescência; desta última para a idade adulta; o casamento; a paternidade ou a maternidade; o primeiro emprego; a chegada da velhice; a sombra da morte; etc. Esse é um dos motivos pelo qual as epopéias heróicas e as grandes histórias épicas são tão apaixonantes e atrativas – todos as culturas possuem as suas; todos os homens se sentem por elas inspirados. Não é a toa que as façanhas de um Aquiles, de um Sansão, de um rei Arthur, são até hoje narradas e queridas. A figura do herói hoje é vista como ícone de propaganda ideológica e mero produto de uma cultura de massa devido à crítica de inspiração marxista e da escola frankfurtiana, que vê em um J. F. Kennedy, em um Tiradentes, em um Homem-Aranha ou em um Harry Potter, uma só função alienadora. No entanto, o poder de atração do mito do herói é muito mais complexo, e qualquer visão reducionista obviamente nunca dará conta de explicá-lo plenamente. Portanto, entre outros fatores, o mito do herói fascina as pessoas porque as mantém motivadas, ao revelar, de maneira simbólica, a potencialidade que cada indivíduo tem de superar as dificuldades inerentes à vida. O filme Star Wars (Guerra nas Estrelas) lançado em 1977, foi, e continua sendo, um fenômeno de bilheteria em todo o mundo. Seu sucesso foi tão avassalador que inaugurou uma nova maneira de se fazer cinema em Hollywood, ficando conhecido como um dos primeiros blockbusters (arrasa quarteirão) da indústria cinematográfica, dando origem a uma franquia que já rendeu duas trilogias, diversos produtos derivados em outras mídias (spin-offs), cifras absurdas, e uma legião interminável de verdadeiros adoradores. A paixão em torno do filme é geralmente explicada como efeito de uma poderosa linguagem ideológica e de uma sofisticada estratégia de marketing. Todavia, essa visão talvez não abarque a grandiosidade do fenômeno, visto que (algo pouco lembrado) o primeiro filme da série foi realizado com parcos recursos, sem a confiança dos produtores – mesmo da equipe de atores e técnicos – e ,conseqüentemente, com uma ínfima divulgação. Mesmo assim, o filme, aos poucos, foi agradando mais e mais, até que, divulgado no "boca-a-boca", veio a se tornar o grande sucesso que continua sendo até hoje. Dessa forma, um dos fatores essenciais para a prodigiosa empreitada do diretor e roteirista George Lucas, o gênio por trás do filme, talvez seja justamente o tema mítico do herói no qual ele se baseou para elaborar a história de um jovem chamado Luke Skywalker, que sai do planeta pacato onde fora criado pelos tios, para se deparar com uma batalha intergaláctica, na qual o destino de centenas de planetas acaba ficando em suas mãos. “A minha inspiração original do filme”, revela Lucas, “era o uso de temas mitológicos para criar um novo tipo de mito, atualizado e contemporâneo” (DVD Star Wars – Episódio IV: Uma Nova Esperança, comentários em áudio). Lucas fez questão de tomar aulas com o mitólogo Joseph Campbell, um verdadeiro entusiasta da saga. A narrativa presente no episódio IV, Uma nova esperança, trás o modelo clássico da trajetória do herói na figura de Luke Skywalker. Contudo, nos filmes seguintes, vários outros temas do mito do herói são aprofundados. E, na nova trilogia, uma reviravolta, que nem mesmo o próprio Lucas de fato havia previsto, revelou-nos que o principal herói da saga era na verdade o pai de Luke, Anakin Skywalker, com sua jornada de queda e redenção, de descida ao inferno e renascimento em uma nova vida, uma faceta muito mais complexa e rica do mito heróico.

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